quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Reportagem sobre aulas de Sapateado


Sapateado na Academia de Judo

As meninas que dançam e soltam música dos pés

Dançar e fazer música com os pés é a paixão das seis meninas alunas de sapateado na Academia de Judo. Sapatear é preciso na vida, com paixão, irreverência e muita teimosia

Leonor Veloso - JF

AS SEIS meninas saltitam no soalho de madeira. Irrequietas, Ana, Morgana, Ingride, Inês, Márcia e Catarina nem esperam que Patrícia calce os sapatos e liberte a música do portátil. O seu sapatear logo solta um ruído estridente pela sala onde ensaiam às sextas-feiras.
Um “time step”, logo seguido de um “Flap”. “Olha vê, Ana. É assim”, diz Morgana, exibindo com convicção o passo que treinou em casa. “Não consigo!”, desabafa Ana, enquanto vai batendo ritmicamente no chão os calcanhares e a planta do pé. “Isso é uma palavra proibida!”, interpõe Patrícia, a orientadora das meninas e também aluna de Sapateado da Academia de Judo. E logo se coloca em linha, frente ao espelho, tentando entusiasmar as crianças, dando as coordenadas, enquanto as meninas a imitam, soltando risinhos contagiantes e exibindo-se frente ao espelho, num jeito tímido e sem graça de quem ainda não se habituou a ser observado. Ensaiados alguns passos desse sapatear irrequieto, está na hora de dançar ao som da música. Os Dire Straits! Inovador, simplesmente.
Sempre em linha, as meninas dançam em perfeita coordenação, soltando ritmos dos pés. O entusiasmo corre nas suas veias e riem enquanto dançam de um lado para o outro. “Elas já estão cansadas. São muitos dias de treino sempre com a mesma música”, revela Patrícia. Mas foi precisamente a música dos Dire Straits e a coreografia que inventaram que fez fulgor em Lisboa, no Dia Nacional do Sapateado, no Teatro Camões e frente a um público muito especial. Foram aplaudidas de pé por Michel, o pai do sapateado em Portugal, e outros tantos professores e bailarinos desta arte de sapatear.
Em vez das tradicionais músicas que lembram os tempos de Fred Astaire ou Frank Sinatra, as meninas dançaram Dire Straits, preferindo na sua coreografia as deslocações em linha, tal como as bailarinas do country americano. A música termina e mais um tempo de conversa. Todas confessam que gostariam de viajar até Nova Iorque e assistir a um espectáculo de sapateado. Um sonho apenas, logo seguido de outro que Morgana desfia: “adorava ter aulas com a Roxanne Butterfly!”. Patrícia, sua mãe, explica quem é. Uma bailarina francesa conhecida mundialmente por “quase não tocar com os pés no chão”. Como é isso possível no sapatear? As meninas riem e Patrícia interrompe, dizendo que também no sapateado é preciso ter uma certa elevação e leveza, os pés batem no chão soltos, descontraídos, fazendo percussão e logo experimenta no chão. A persistência é uma qualidade na arte de sapatear e todas as seis meninas, entre os sete e os 11 anos, teimam em aprender sempre mais.
São horas e horas de treino para conseguir dominar muito da técnica e da arte do step. Patrícia conta em jeito de segredo que, numa das divisões de sua casa antiga de tectos altos, desmanchou portas de velhos guarda-vestidos para aproveitar os espelhos e mandou cortar um enorme contraplacado para o chão. “É a minha sala de sapateado”. Tem 37 anos e há três anos decidiu concretizar um sonho de menina. Lembra ainda como ficava estarrecida em frente à televisão quando passava um clássico do Fred Astaire. O sapateado era o seu sonho de menina e quando soube que iriam começar as aulas de sapateado na Academia de Judo, nem hesitou. Só que do workshop que frequentou, apenas ela teve a teimosia de continuar a aprender, depois de saciada a curiosidade. Juntas, todas os finais de semana, teimam em aprender umas com as outras e em praticar, praticar…

Publicado no Jornal do Fundão a 25 outubro 2007
http://www.jornaldofundao.pt/index.asp?idEdicao=491&idSeccao=4572&Action=seccao