quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Reportagem sobre a Tragédia do Acidente do Autocarro na A23


Despiste na A23 faz 13 mortos e 26 feridos

Ana Mafalda Inácio, Isaltina Padrão, Daniel Lam, Pedro Coimbra do Amaral, Leonor Veloso, Tiago Melo - DN (imagem)

Os primeiros relatos eram de um cenário horrível. O autocarro e o Ford fiesta que estiveram envolvidos no acidente ambos caídos na ravina, ao quilómetro 77 da A23, a caminho de Castelo Branco. Os médicos que foram para o local não sabiam se haveria alguém que se tivesse salvo. Mas foi o motorista do autocarro, que saiu ileso, quem chamou o 112.
À chegada dos bombeiros estava em estado de choque.O autocarro levava 37 passageiros com mais de 60 anos, estudantes da Universidade Sénior de Castelo Branco, que voltavam de uma viagem de recreio à Nazaré e Fátima. O carro que terá estado na origem do acidente era conduzido por uma mulher grávida que ficou ferida ligeiramente e se terá posto à beira da estrada a pedir ajuda.No socorro estiveram envolvidos vários meios. João Franel, dos Bombeiros Voluntários de Castelo Branco socorreu muitas vítimas em estado de choque.
Muitos feridos pediram-lhe para avisar os familiares. António Aguião, dos Voluntários de Santarém, relatou ao DN o que viu: "Fui dos primeiros a chegar. Ouvia só choros e gritos."O balanço do acidente só foi feito pelo INEM mais tarde: 13 mortos, 22 feridos ligeiros e 4 graves - fonte da BT refere que é dos sinistros mais grave das estradas portuguesas. Ao certo, ninguém sabe ainda bem como é que a tragédia aconteceu. Uma brigada do núcleo de investigação de acidentes da GNR esteve no local a recolher todos os vestígios essenciais à abertura de um inquérito. Sabe-se que o carro terá batido por detrás no autocarro. Joaquim Santos, de 68 anos, que ia dentro do autocarro e ficou apenas ferido, falou à saída do Hospital de Castelo Branco. Disse que se recordava que "uma coisa encostou ao autocarro, alguma coisa bateu e depois foi tudo muito rápido, fomos pela ravina abaixo, estava escuro".
Em Castelo Branco, centenas de famílias de pessoas que iam na viagem estavam à porta para saber informações. Fernando Silva conta, quase a pedir desculpa que esteve para ir com a mulher na excursão. "Faltavam pessoas para encher o autocarro, mas depois acabei por ficar". Insiste em premir as teclas do telemóvel na esperança de que a ligação se estabeleça e oiça a voz da mulher. "Ela telefonou-me às 4.00 da tarde. Estava na Nazaré e estava tão feliz porque o tempo estava bom que até havia gente a tomar banho na praia". Maria José, a mulher, 73 anos, é aluna da Usalbi. E, agora, Fernando Silva insiste, mas "o telemóvel dela não responde". Em Castelo Branco, muitos ouviram a sirene dos bombeiros a avisar do acidente, mas foi a notícia dada pela televisão que levou todos à zona das consultas externas do hospital de Castelo Branco.
Tocam os telemóveis e ouve-se invariavelmente a mesma resposta "não sei nada, ainda não sei nada". Sónia chega em busca da mãe. "Não sei dela", repete, dirigindo-se a todos e a ninguém. Momentos depois saberia que a mãe tinha entrado "entubada, em estado grave, mas que já está estabilizada". A última ambulância deixou a A23 com feridos depois das 23.00. A estrada esteve cortada para permitir a evacuação de feridos por helicóptero.Cada vez que chega uma ambulância, a cena repete-se: todos correm para ver se reconhecem a pessoa sinistrada. "Não ela, não é o cabelo dela", grita uma jovem.

(Publicado no Diário de Notícias, a 6 de Nov. 2007)
http://dn.sapo.pt/2007/11/06/cidades/despiste_a23_13_mortos_e_feridos.html

Reportagem sobre o primeiro dia de aulas após a tragédia


O primeiro dia de aulas na Usalbi

“Permitam-me que seja egoísta, mas preciso de vocês”


Alguns escondem a dor nos apontamentos. Outros não conseguem evitar as lágrimas e desabafam. Assim são as reacções de alunos e professores no primeiro dia de aulas na Universidade Sénior de Castelo Branco, após o trágico acidente na A23
Leonor Veloso
Castelo Branco

Abraçam-se, tentando reter as lágrimas. “A Maria, meu Deus. Tinha uma relação tão estreita com ela. Conhecemo-nos aqui, mas já éramos tão amigas”, lamenta Raquel, logo interrompida por Irene: “venho com as pernas a tremer. Não posso acreditar, ainda não aceito a morte da nossa Maria”. As alunas da Universidade Sénior de Castelo Branco não resistem, vertendo a dor em lágrimas que vão enxugando enquanto entram na sala de aula de Francês. Lá dentro, outras alunas cercam já a professora que as abraça, tentando dar-lhes algum conforto. Cristina Granada, tenta que todos se sentem e se acalmem. “Temos de voltar à normalidade. Eu sei, isto exige muito esforço, mas temos de continuar. Temos de encontrar forças juntos”, confessa a professora de Francês, não conseguindo esconder o sofrimento de não ver mais, nas suas aulas, os rostos de dois dos alunos que faleceram no trágico acidente na A23. E abre um livro, não um livro qualquer. É de poesias escritas por Manuel Magueijo, um poeta da cidade e um dos alunos da Usalbi que a morte surpreendeu no acidente. O poema não podia ser mais oportuno. “A minha escola é grande e tem salas espaçosas, corredores iluminados e pinturas graciosas. As aulas são atractivas, dão vontade de aprender! Para vencermos na vida temos de corresponder”.
Cristina poisa o livro, recitando de cor mais uma mensagem do poeta: “Abre o coração e sorri à vida para que a vida te sorria também!”. E não consegue mais conter o desabafo:
“permitam-me que seja egoísta, mas eu preciso muito de vocês neste momento”. Logo um coro de vozes unânimes se ouve na sala. Estarem unidos é a melhor forma de ultrapassar a dor. A professora recorda os alunos que ainda estão hospitalizados e que precisam de apoio. “Se puderem vão visitá-las”, apela. Agitadas, as alunas da Usalbi desabafam, contando que nas visitas quase diárias que fazem aos feridos no Hospital, há quem tenha resistido e esteja agora a fraquejar. “A Olga está muito agitada. Fez-se forte e agora está a cair. Cada dia que passa, vemo-la mais perturbada”, conta uma das alunas, entre o burburinho de vozes que enchem a sala. Desabafar faz parte deste luto que todos vivem, uns mais do que outros, de acordo com os laços de amizade que os uniam aos que partiram.
Apressados, os alunos saem da aula de Francês neste primeiro dia lectivo na Usalbi, depois do trágico acidente que marcou a vida dos 470 alunos e 50 professores. “A vida continua”, ouve-se nos corredores da Biblioteca onde decorrem muitas das aulas da Universidade Sénior de Castelo Branco. Alguns seguem para a aula de Informática no Cybercentro. Em frente ao computador, os dez alunos do I nível de Informática, estão absorvidos a copiar, letra por letra, um texto para o computador. Apenas faltam dois alunos. “Era uma vez uma ilha onde moravam todos os sentimentos. A alegria, a tristeza, a sabedoria e todos os outros sentimentos. Por fim, o amor. Mas um dia foi avisado aos moradores que aquela ilha iria afundar. E todos os sentimentos apressaram-se para sair da ilha. Mas o amor ficou, pois queria ficar mais um pouco com a ilha antes que ela afundasse”. Não é por acaso o texto escolhido pelo professor de Informática, Lino Galvão. “É um texto muito bonito que encontrei na Internet sobre os sentimentos e penso que lhes vai dar algum conforto. Tem muito a ver com a vivência por que estão a passar”, explica o professor, enquanto vai ajudando os alunos a encontrar algumas letras mais escondidas no teclado. “Gosto muito deste texto”, conta Bárbara Reis, que resiste em dizer a sua idade, preferindo apenas revelar ter já chegado aos setenta. “Sabe, é porque me dói, tenho pena de não ser mais nova para poder aproveitar mais a universidade”. Visivelmente cansada, pois é a sua terceira aula da manhã, depois de Psicologia e Francês, Bárbara confessa que gosta muito de informática. “Adoro o computador, leva-nos tão longe! Aos poucos já vou à Internet e para a solidão não há melhor coisa”, desabafa, voltando a mergulhar no texto.
Do outro lado da cidade, nas piscinas cobertas, outro grupo de 13 alunos, na aula de Hidroginástica, faz por se mexer dentro de água, enquanto o professor, cá fora, vai dando as coordenadas. A música quase não se ouve. “Eles pediram para pôr a música baixa”, revela o professor, abanando a cabeça, desanimado. “Nem imagina como eram alegres estas aulas. Brincávamos uns com os outros, por vezes até lhes ralhava a brincar pois mal me ouviam de tanta conversa uns com os outros”. “Não admira que assim estejam, é normal”, confessa o professor Hugo Andriaça.
“A vida continua”, ouve-se entre os que já saem da água, de semblante pesado e olhar meio evasivo. Não admira que assim estejam no primeiro dia de aulas na Usalbi, uma semana após o trágico acidente na A23.

(Publicado no Diário de Notícias a 13 Nov. 2007)
http://dn.sapo.pt/2007/11/13/sociedade/permitamme_seja_egoista_preciso_voce.html

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Reportagem sobre a noite de Castelo Branco


Novas "docas secas" levam jovens ao centro de Castelo Branco

Leonor Veloso
Em Castelo Branco

As noites estão quentes, luminosas. As esplanadas enchem-se, aos poucos, de famílias. Crianças correm pelos relvados. Casais de idosos procuram aqui preencher os seus dias de cor e alegria. Os jovens chegam perto da meia noite e juntam-se em grupos, de copo na mão, libertando na atmosfera gargalhadas prazenteiras.
A grande praça, em pleno coração da cidade raiana, pode bem competir com as famosas Plaza Mayor das capitais espanholas. É no Interior do país, numa cidade onde água não abunda, que as conhecidas "docas secas" se enchem de animação e cor por quem até já vem dos quatro cantos do distrito ou até mesmo de Portalegre para conhecer o centro cívico de Castelo Branco, um coração novo a pulsar na cidade, após a intervenção Polis. Marca no imaginário da cidade fica o caótico parque de estacionamento em terra batida, outrora parada militar, em frente ao Quartel de Cavalaria, hoje transformado num imenso jardim pincelado de verde e cinza granito. No lugar onde no passado recente ficavam as populares e degradadas casetas, que vendiam produtos da terra e artesanais, abrem-se hoje bares e esplanadas que durante o dia servem refeições leves, transformando-se à noite em bares com DJ. Dos onze espaços comerciais ainda só cinco foram inaugurados.
Três bares - o Look Café, paredes meias com o Café Aqui ao Lado, o Pipas Irish Pub e o Café Sical, animam as noites nas docas, que se prolongam bem para lá das quatro da madrugada, hora a que os bares têm de fechar portas. Os restantes espaços serão pastelarias, lojas de decoração e de pronto-a-vestir, abertas em horário noturno, aproveitando a afluência. O restaurante panorâmico e a pala de ensombramento, que ladeiam as esplanadas, estão também quase concluídos, faltando apenas encher o pequeno lago com jogos de água que, aproveitando a forma côncava no centro da praça, refrescará o ambiente ainda durante este Verão. "A afluência superou todas as nossas expectativas", conta Paulo Gonçalves, gerente do Look Café, que diariamente abre às 10 horas da manhã como café/esplanada para, à noite, se transformar numa quase discoteca, com preços bem convidativos, onde os clientes podem dançar na pequena pista de dança ao som dos DJ convidados. "Este espaço veio animar a noite de Castelo Branco que estava muito dividida entre os bares que fechavam às duas da manhã e as discotecas", explica, não tendo dúvidas que a melhor noite é aos sábados, muito embora os bares estejam repletos quase todas as noites.
O Café Aqui ao Lado é um outro bar multifuncional que rentabiliza o espaço, dispondo de serviço de cafetaria, gelataria e bar também com pista de dança para os mais notívagos. Cá em cima, no Passeio Verde, o Ambienta Café convida a um momento bem mais tranquilo ao som do chillout. Animação não falta no centro da cidade, outrora espaço degradado onde estacionavam carros e lixo.
(Publicado no Diário de Notícias, a 7 Agosto 2006)