quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Reportagem sobre o primeiro dia de aulas após a tragédia


O primeiro dia de aulas na Usalbi

“Permitam-me que seja egoísta, mas preciso de vocês”


Alguns escondem a dor nos apontamentos. Outros não conseguem evitar as lágrimas e desabafam. Assim são as reacções de alunos e professores no primeiro dia de aulas na Universidade Sénior de Castelo Branco, após o trágico acidente na A23
Leonor Veloso
Castelo Branco

Abraçam-se, tentando reter as lágrimas. “A Maria, meu Deus. Tinha uma relação tão estreita com ela. Conhecemo-nos aqui, mas já éramos tão amigas”, lamenta Raquel, logo interrompida por Irene: “venho com as pernas a tremer. Não posso acreditar, ainda não aceito a morte da nossa Maria”. As alunas da Universidade Sénior de Castelo Branco não resistem, vertendo a dor em lágrimas que vão enxugando enquanto entram na sala de aula de Francês. Lá dentro, outras alunas cercam já a professora que as abraça, tentando dar-lhes algum conforto. Cristina Granada, tenta que todos se sentem e se acalmem. “Temos de voltar à normalidade. Eu sei, isto exige muito esforço, mas temos de continuar. Temos de encontrar forças juntos”, confessa a professora de Francês, não conseguindo esconder o sofrimento de não ver mais, nas suas aulas, os rostos de dois dos alunos que faleceram no trágico acidente na A23. E abre um livro, não um livro qualquer. É de poesias escritas por Manuel Magueijo, um poeta da cidade e um dos alunos da Usalbi que a morte surpreendeu no acidente. O poema não podia ser mais oportuno. “A minha escola é grande e tem salas espaçosas, corredores iluminados e pinturas graciosas. As aulas são atractivas, dão vontade de aprender! Para vencermos na vida temos de corresponder”.
Cristina poisa o livro, recitando de cor mais uma mensagem do poeta: “Abre o coração e sorri à vida para que a vida te sorria também!”. E não consegue mais conter o desabafo:
“permitam-me que seja egoísta, mas eu preciso muito de vocês neste momento”. Logo um coro de vozes unânimes se ouve na sala. Estarem unidos é a melhor forma de ultrapassar a dor. A professora recorda os alunos que ainda estão hospitalizados e que precisam de apoio. “Se puderem vão visitá-las”, apela. Agitadas, as alunas da Usalbi desabafam, contando que nas visitas quase diárias que fazem aos feridos no Hospital, há quem tenha resistido e esteja agora a fraquejar. “A Olga está muito agitada. Fez-se forte e agora está a cair. Cada dia que passa, vemo-la mais perturbada”, conta uma das alunas, entre o burburinho de vozes que enchem a sala. Desabafar faz parte deste luto que todos vivem, uns mais do que outros, de acordo com os laços de amizade que os uniam aos que partiram.
Apressados, os alunos saem da aula de Francês neste primeiro dia lectivo na Usalbi, depois do trágico acidente que marcou a vida dos 470 alunos e 50 professores. “A vida continua”, ouve-se nos corredores da Biblioteca onde decorrem muitas das aulas da Universidade Sénior de Castelo Branco. Alguns seguem para a aula de Informática no Cybercentro. Em frente ao computador, os dez alunos do I nível de Informática, estão absorvidos a copiar, letra por letra, um texto para o computador. Apenas faltam dois alunos. “Era uma vez uma ilha onde moravam todos os sentimentos. A alegria, a tristeza, a sabedoria e todos os outros sentimentos. Por fim, o amor. Mas um dia foi avisado aos moradores que aquela ilha iria afundar. E todos os sentimentos apressaram-se para sair da ilha. Mas o amor ficou, pois queria ficar mais um pouco com a ilha antes que ela afundasse”. Não é por acaso o texto escolhido pelo professor de Informática, Lino Galvão. “É um texto muito bonito que encontrei na Internet sobre os sentimentos e penso que lhes vai dar algum conforto. Tem muito a ver com a vivência por que estão a passar”, explica o professor, enquanto vai ajudando os alunos a encontrar algumas letras mais escondidas no teclado. “Gosto muito deste texto”, conta Bárbara Reis, que resiste em dizer a sua idade, preferindo apenas revelar ter já chegado aos setenta. “Sabe, é porque me dói, tenho pena de não ser mais nova para poder aproveitar mais a universidade”. Visivelmente cansada, pois é a sua terceira aula da manhã, depois de Psicologia e Francês, Bárbara confessa que gosta muito de informática. “Adoro o computador, leva-nos tão longe! Aos poucos já vou à Internet e para a solidão não há melhor coisa”, desabafa, voltando a mergulhar no texto.
Do outro lado da cidade, nas piscinas cobertas, outro grupo de 13 alunos, na aula de Hidroginástica, faz por se mexer dentro de água, enquanto o professor, cá fora, vai dando as coordenadas. A música quase não se ouve. “Eles pediram para pôr a música baixa”, revela o professor, abanando a cabeça, desanimado. “Nem imagina como eram alegres estas aulas. Brincávamos uns com os outros, por vezes até lhes ralhava a brincar pois mal me ouviam de tanta conversa uns com os outros”. “Não admira que assim estejam, é normal”, confessa o professor Hugo Andriaça.
“A vida continua”, ouve-se entre os que já saem da água, de semblante pesado e olhar meio evasivo. Não admira que assim estejam no primeiro dia de aulas na Usalbi, uma semana após o trágico acidente na A23.

(Publicado no Diário de Notícias a 13 Nov. 2007)
http://dn.sapo.pt/2007/11/13/sociedade/permitamme_seja_egoista_preciso_voce.html

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