quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Reportagem sobre Amnistia Internacional


Só o João quis trocar os brinquedos bélicos

Trocar armas por brinquedos foi o desafio do núcleo de Castelo Branco da Amnistia Internacional para assinalar o Dia Internacional dos Direitos Humanos e também o Natal. Apenas o João respondeu

Leonor Veloso - JF

JOÃO olha os brinquedos com pena. São giros, daqueles de montar, em madeira. Mas não tem uma espada ou uma pistola para trocar…Os seus olhos brilham quando a voluntária da Amnistia lhe estende uma caixa. “Uma prenda! Por não teres brinquedos desses violentos”, diz-lhe. Contente com o presente, João logo se desprende da timidez para contar apenas uma espada em esponja que os pais optaram por ‘guardar’ no sótão. Tem apenas cinco anos e são os pais que ainda escolhem por ele os brinquedos.
Nada de armas de plástico ou espadas ou bonecos guerreiros. No dia anterior, com a ajuda do pai, tentou escolher aqueles que, de alguma forma, podiam apelar à violência. Nenhum. Mesmo assim, não desistiu e aderiu à campanha “Vamos Trocar Armas por Brinquedos”, promovida pela Amnistia no dia 10 de Dezembro, em Castelo Branco. Não é uma data qualquer. É o dia em que se assinala o Dia Internacional dos Direitos Humanos, no mesmo dia em que Irene Khan, secretária- -geral da Amnistia Internacional, emite um grito de apelo: “é preciso tornar reais os direitos humanos!”. E a negro descreve tantos exemplos de países em que a Declaração Universal dos Direitos do Homem ainda não saiu do papel… do Afeganistão ao Zimbabué, os direitos humanos estão a ser violados e negligenciados pelos governos, companhias e grupos armados. No Darfur, assassinatos e violações continuam incessantemente. No Zimbabué, os defensores dos direitos humanos e os dissidentes políticos são atacados, torturados e atirados para as prisões sem julgamento. No Médio Oriente, a impunidade, a injustiça e os abusos dos direitos humanos são o maior obstáculo para alcançar a paz e a justiça…João não sabe nada disto. Talvez até lhe passaram despercebidas as imagens de horror à entrada da Biblioteca. “Crianças Soldado” é o título da exposição de fotografia que a Amnistia trouxe até Castelo Branco, numa tentativa de sensibilizar a população para o controlo de armas, uma campanha da Amnistia para alertar o mundo desta dura realidade: “as armas matam, em média, mais de meio milhão de homens, mulheres e crianças todos os anos”.
Trocar armas por brinquedos foi o desafio lançado à população em 50 cartazes espalhados pela cidade de Castelo Branco e através de vários contactos para os jardins-de-infância e escolas do 1.º Ciclo da cidade. Apenas João Gregório, de cinco anos, aderiu à campanha e veio com a sua avó receber o brinquedo. Tempos depois, um outro menino entra na sala dos ateliers da Biblioteca. Desconfiado, aproxima-se da banca dos brinquedos. “Olá, como te chamas? Olha, gostas dos brinquedos tipo metralhadoras e espadas?”, pergunta Catarina, ao que Marco Lio, de sete anos, responde logo com um “sim”. Tem muitos desses brinquedos em casa, a mãe acrescenta: “estão todos estragados”. Catarina dá a escolher a Marco António um brinquedo da Amnistia. Almofadas de pelúcia, coloridas e com bonecos, vários jogos de montar em madeira e puzzles estão espalhados na banca. Marco recebe um jogo de madeira adequado à sua idade e agradece, não sem antes ouvir de Catarina que os brinquedos bélicos apelam à violência e que há outros bem mais bonitos e criativos com que pode brincar.
A falta de adesão por parte da população pode ter duas leituras. “Ou os pais são já muito criteriosos na hora de escolher os brinquedos das crianças, ou não estão sensibilizados para este tipo de campanhas. Infelizmente, parece--me que a última é a mais verdadeira”, lamenta Ana Catarina Neves, membro do Núcleo da Amnistia de Castelo Branco, revelando que estas iniciativas que apelam à cidadania “obrigam-nos a despir a máscara e a encarar os nossos valores e nem sempre têm muita receptividade”. “Todas as escolas do 1.º Ciclo e jardins-de-infância sediados em Castelo Branco responderam até com simpatia e receptividade à iniciativa, mas explicaram-nos que para se deslocarem, deveria ter sido incluída no Plano Escolar”, revela. Não desistir é a palavra de ordem da Amnistia que faz por se ouvir em todo o mundo, muito embora nem sempre encontrem eco na sociedade os seus gritos de alerta.

Publicado no Jornal do Fundão a 20 Dezembro 2007

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